Flashman — The Proposition from Airside on Vimeo.
quarta-feira, 30 de março de 2011
terça-feira, 29 de março de 2011
sexta-feira, 25 de março de 2011
O humor não salva; o humor, em definitivo, não serve para quase nada. Podem ver-se, durante anos, muitos anos mesmo, os acontecimentos da vida com humor. Nalguns casos pode adoptar-se uma atitude divertida praticamente até ao fim; mas a vida acaba sempre por nos deixar de rastos. Por melhores que sejam as qualidades de coragem, sangue-frio e humor que criemos ao longo da vida, acabamos sempre por ficar com o coração em fanicos. E, então, deixamos de rir. No fim de contas, só nos resta a solidão, o frio e o silêncio. No fim de contas, só nos resta a morte.
Michel Houellebecq, in 'As Partículas Elementares'
Michel Houellebecq, in 'As Partículas Elementares'
Hoje, cinquenta anos mais tarde, a realidade só veio confirmar o alcance profético das afirmações de Hubczejak - a um nível que ele próprio não teria suspeitado. Ainda restam alguns humanos da antiga raça, em particular nas regiões que estiveram muito tempo submetidas à influência das doutrinas religiosas tradicionais. A sua taxa de reprodução, contudo, não deixa de diminuir de ano para ano e a extinção parece inevitável. Contrariamente às previsões pessimistas, esta extinção faz-se calmamente, apesar de alguns actos de violência isolados e em número cada vez menor. Não podemos mesmo deixar de nos surpreender ao ver a tranquilidade, a resignação e mesmo o secreto alívio com que os humanos concordaram com o seu próprio desaparecimento.
Rompemos o laço filial que nos ligava à humanidade e passámos a viver. Para que toda a gente possa ver, vivemos felizes. O que era inultrapassável para os homens, as forças negativas do egoísmo, da crueldade e da cólera, já não existe para nós. Pode dizer-se que vivemos uma vida completamente diferente. A ciência e a arte continuam a existir na nossa sociedade, mas a procura da Verdade e do Belo, menos estimulada pelo aguilhão da vaidade pessoal, adquiriu um carácter menos urgente. Para os humanos da antiga raça, o nosso mundo parece o paraíso. Por vezes acontece que cheguemos a qualificar-nos a nós próprios - de uma forma, pode dizer-se, um pouco brincalhona - como «deuses», essa palavra tão cheia de ecos para os humanos.
Michel Houellebecq, in 'As Partículas Elementares'
Rompemos o laço filial que nos ligava à humanidade e passámos a viver. Para que toda a gente possa ver, vivemos felizes. O que era inultrapassável para os homens, as forças negativas do egoísmo, da crueldade e da cólera, já não existe para nós. Pode dizer-se que vivemos uma vida completamente diferente. A ciência e a arte continuam a existir na nossa sociedade, mas a procura da Verdade e do Belo, menos estimulada pelo aguilhão da vaidade pessoal, adquiriu um carácter menos urgente. Para os humanos da antiga raça, o nosso mundo parece o paraíso. Por vezes acontece que cheguemos a qualificar-nos a nós próprios - de uma forma, pode dizer-se, um pouco brincalhona - como «deuses», essa palavra tão cheia de ecos para os humanos.
Michel Houellebecq, in 'As Partículas Elementares'
quinta-feira, 24 de março de 2011
terça-feira, 22 de março de 2011
segunda-feira, 14 de março de 2011
Construção
Amou daquela vez
Como se fosse a última
Beijou sua mulher
Como se fosse a última
E cada filho seu
Como se fosse o único
E atravessou a rua
Com seu passo tímido
Subiu a construção
Como se fosse máquina
Ergueu no patamar
Quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo
Num desenho mágico
Seus olhos embotados
De cimento e lágrima
Sentou prá descansar
Como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz
Como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou
Como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou
Como se ouvisse música
E tropeçou no céu
Como se fosse um bêbado
E flutuou no ar
Como se fosse um pássaro
E se acabou no chão
Feito um pacote flácido
Agonizou no meio
Do passeio público
Morreu na contramão
Atrapalhando o tráfego...
Como se fosse a última
Beijou sua mulher
Como se fosse a última
E cada filho seu
Como se fosse o único
E atravessou a rua
Com seu passo tímido
Subiu a construção
Como se fosse máquina
Ergueu no patamar
Quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo
Num desenho mágico
Seus olhos embotados
De cimento e lágrima
Sentou prá descansar
Como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz
Como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou
Como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou
Como se ouvisse música
E tropeçou no céu
Como se fosse um bêbado
E flutuou no ar
Como se fosse um pássaro
E se acabou no chão
Feito um pacote flácido
Agonizou no meio
Do passeio público
Morreu na contramão
Atrapalhando o tráfego...
Amou daquela vez
Como se fosse o último
Beijou sua mulher
Como se fosse a única
E cada filho seu
Como se fosse o pródigo
E atravessou a rua
Com seu passo bêbado
Subiu a construção
Como se fosse sólido
Ergueu no patamar
Quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo
Num desenho lógico
Seus olhos embotados
De cimento e tráfego
Sentou prá descansar
Como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz
Como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou
Como se fosse máquina
Dançou e gargalhou
Como se fosse o próximo
E tropeçou no céu
Como se ouvisse música
E flutuou no ar
Como se fosse sábado
E se acabou no chão
Feito um pacote tímido
Agonizou no meio
Do passeio náufrago
Morreu na contramão
Atrapalhando o público...
Amou daquela vez
Como se fosse máquina
Beijou sua mulher
Como se fosse lógico
Ergueu no patamar
Quatro paredes flácidas
Sentou prá descansar
Como se fosse um pássaro
E flutuou no ar
Como se fosse um príncipe
E se acabou no chão
Feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão
Atrapalhando o sábado...
Por esse pão prá comer
Por esse chão prá dormir
A certidão prá nascer
E a concessão prá sorrir
Por me deixar respirar
Por me deixar existir
Deus lhe pague...
Pela cachaça de graça
Que a gente tem que engolir
Pela fumaça desgraça
Que a gente tem que tossir
Pelo andaimes pingentes
Que a gente tem que cair
Deus lhe pague...
Pela mulher carpideira
Prá nos louvar e cuspir
E pelas moscas bixeiras
A nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira
Que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague
Chico Buarque
sábado, 12 de março de 2011
segunda-feira, 7 de março de 2011
sábado, 5 de março de 2011
À espera dos bárbaros
Porque esperamos, reunidos na praça?
Hoje devem chegar os bárbaros.
Porque reina a indolência no Senado?
Que fazem os senadores, sentados sem legislar?
É porque hoje vão chegar os bárbaros.
Que hão-de fazer os senadores?
Quando chegarem, os bárbaros farão as leis.
Porque se levantou o Imperador tão de madrugada
e que faz sentado à porta da cidade,
no seu trono, solene, levando a coroa?
É porque hoje vão chegar os bárbaros.
E o imperador prepara-se para receber o chefe.
Preparou até um pergaminho para lhe oferecer, onde pôs
muitos títulos e nomes honoríficos.
Porque é que os nossos cônsules, e também os pretores,
hoje saem com togas vermelhas bordadas?
Porquê essas pulseiras com tantos ametistas
e esses anéis com esmeraldas resplandecentes?
Porque empunham hoje bastões tão preciosos
tão trabalhados a prata e ouro?
Hoje vão chegar os bárbaros,
e estas coisas deslumbram os bárbaros.
Porque não vêm, como sempre, os ilustres oradores
a fazer-nos seus discursos, dizendo o que têm para nos dizer?
Hoje vão chegar os bárbaros;
e, a eles, aborrece-os os discursos e a retórica.
E que vem a ser esta repentina inquietação, esta desordem?
(Que caras tão sérias tem hoje o povo.)
Porque é que as ruas e as praças vão ficando vazias
e regressam todos, tão pensativos, a suas casas?
É porque anoiteceu e os bárbaros não vieram.
E da fronteira chegou gente
dizendo que os bárbaros já não vêm.
E agora que será de nós sem bárbaros?
De certo modo, essa gente era uma solução.
Konstantínos Kaváfis
Hoje devem chegar os bárbaros.
Porque reina a indolência no Senado?
Que fazem os senadores, sentados sem legislar?
É porque hoje vão chegar os bárbaros.
Que hão-de fazer os senadores?
Quando chegarem, os bárbaros farão as leis.
Porque se levantou o Imperador tão de madrugada
e que faz sentado à porta da cidade,
no seu trono, solene, levando a coroa?
É porque hoje vão chegar os bárbaros.
E o imperador prepara-se para receber o chefe.
Preparou até um pergaminho para lhe oferecer, onde pôs
muitos títulos e nomes honoríficos.
Porque é que os nossos cônsules, e também os pretores,
hoje saem com togas vermelhas bordadas?
Porquê essas pulseiras com tantos ametistas
e esses anéis com esmeraldas resplandecentes?
Porque empunham hoje bastões tão preciosos
tão trabalhados a prata e ouro?
Hoje vão chegar os bárbaros,
e estas coisas deslumbram os bárbaros.
Porque não vêm, como sempre, os ilustres oradores
a fazer-nos seus discursos, dizendo o que têm para nos dizer?
Hoje vão chegar os bárbaros;
e, a eles, aborrece-os os discursos e a retórica.
E que vem a ser esta repentina inquietação, esta desordem?
(Que caras tão sérias tem hoje o povo.)
Porque é que as ruas e as praças vão ficando vazias
e regressam todos, tão pensativos, a suas casas?
É porque anoiteceu e os bárbaros não vieram.
E da fronteira chegou gente
dizendo que os bárbaros já não vêm.
E agora que será de nós sem bárbaros?
De certo modo, essa gente era uma solução.
Konstantínos Kaváfis
quinta-feira, 3 de março de 2011
terça-feira, 1 de março de 2011
Subscrever:
Mensagens (Atom)