Extracto do livro Extinção de Thomas Bernhard:
"Nós deixamo-nos muitas vezes arrebatar de tal modo por um exagero, disse eu mais tarde a Gambetti, que tomamos depois esse exagero pela única realidade lógica e já de modo algum nos apercebemos da verdadeira realidade, só do exagero desmedidamente levado às alturas. Com este fanatismo do exagero sempre eu me satisfiz, disse eu a Gambetti. É por vezes a única possibilidade, designadamente sempre que fiz do fanatismo do exagero a arte do exagero, de me salvar da miséria do meu estado de espírito, do meu tédio intelectual, disse eu a Gambetti. Adestrei de tal modo a minha arte do exagero que me posso nomear à vontade o maior artista do exagero que eu conheço. Não conheço mais nenhum. Niguém levou assim tão longe a sua arte do exagero, disse eu a Gambetti e, logo a seguir, que eu, se me perguntassem uma vez sem rodeios o que é que eu sou verdadeiramente e no íntimo secreto, só poderia responder, o maior artista do exagero que eu conheço. Em seguida Gambetti desatou outra vez a rir com o seu riso de Gambetti e com esse seu riso de Gambetti me contagiou e assim rimos os dois no Pincio, nessa tarde, como nunca antes tínhamos rido. Mas também esta frase é naturalmente um exagero, penso eu agora, enquanto a escrevo, e uma característica da minha arte do exagero. Nessa altura disse eu a Gambetti que a arte do exagero era uma arte da superação, de superação da existência no meu sentido, disse eu a Gambetti. Por meio do exagero, e afinal da arte do exagero, aguentar a existência, disse eu a Gambetti, torná-la possível. Quanto mais vou avançando na idade, mais me refugio na minha arte do exagero, disse eu a Gambetti. Os grandes superadores da existência foram sempre grandes artistas do exagero, seja o que for que tenham sido, que tenham criado, Gambetti, eles foram-no afinal só pela sua arte do exagero. O pintor que não exagera é um mau pintor, o músico que não exagera é um mau músico, disse eu a Gambetti, como o escritor que não exagera é um mau escritor, podendo também acontecer que a verdade do exagero consista em tudo atenuar, nesse caso temos de dizer, ele exagera a atenuação e faz assim da atenuação exagerada a sua arte do exagero, Gambetti. O segredo da grande obra de arte é o exagero, disse eu a Gambetti, o segredo do grande filosofar é esse também, a arte do exagero é de modo geral o segredo do espírito, disse eu a Gambetti."
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